quinta-feira, 24 de março de 2011

Crônica de um amigo Recantista ... (saudosismo para quem gosta de MPB)

Uma vida em ritmo de Música Popular Brasileira


Numa linda noite de outono, um enamorado estava sozinho em uma favela; a porta do barraco / era sem trinco /mas a lua furando o seu zinco / salpicava de estrela o seu chão e “enfeitava a noite do seu bem”.

Enquanto isso, no centro da cidade, um homem magro e abatido caminhava vagarosamente. De repente, estava ali “um corpo estendido do chão”. Para na contramão, atrapalhando o trânsito”.
É socorrido e logo recupera a consciência e mesmo no tumulto, é reconhecido por um amigo
- “Olá, como vai?”
- “Eu vou indo, e você?”

Apesar da relativa melhora, o amigo decide levá-lo de ônibus a um pronto-socorro. Assim, “vão rodando a cidade a procurar’’. Encontra um hospital cheio, com uma fila imensa e tenta sem sucesso ser atendido na frente, mas é impedido por uma funcionária da portaria “com nervos de aço/ sem sangue na veia / e sem coração”. Não iria desistir. Desse modo ainda levemente tonto e muito estressado, gritava: “ Se eu perder esse ônibus que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã.’’

Mesmo com todo o caos na saúde, a equipe do pronto-socorro estava completa e antes que pudesse imaginar, chega a sua vez. É recebido por um médico de olhar sereno. Logo que entrou, foi dizendo: - Doutor, “tire o seu sorriso do caminho / que eu quero passar/ com a minha dor”. O médico calmamente pede ao paciente para sentar.

- Qual é o seu nome?

- João

– O que o senhor vem sentindo?

- Bem, doutor, já perdi as contas de “ quantas noites não durmo / ao rolar-me na cama.’’ Além disso, o “calor das cobertas / não aquece direito / não há nada no mundo / que possa afastar / esse frio do meu peito.’’

O médico examina minuciosamente o paciente, solicita um Raio X de tórax e faz uma investigação epidemiológica para tuberculose. Tudo negativo. Devido a sua formação holística, decide interrogar seu João sobre a sua família.

- Seu João, tem tido problemas em casa?

- Doutor, “sei que todos vão dizer / que é tudo mentira / e que não pode ser / mas “já tive mulheres / do tipo atrevida / do tipo acanhada / do tipo vivida / casada / carente, solteira / feliz”, mas a atual foi como “um rio que passou em minha vida / e meu coração se deixou levar.’’ No começo, tudo era uma maravilha; porém, com o passar do tempo, foram ‘‘ tantas coisinhas miúdas / roendo / comendo / arrasando aos poucos com o nosso ideal.’’
Fiquei desempregado, “e sem o seu trabalho / o homem não tem honra / e sem a sua honra / se morre / se mata”. E para piorar “você sabe o que é ter um amor, meu senhor / ter loucura por uma mulher / e depois encontrar esse amor / meu senhor / nos braços de um tipo qualquer.’’

Graça a Deus, “seu médico’’ não matei nem morri de amor, mas a partir daquele dia, sempre que perguntarem por mim, peço para dizer “que fui por aí / levando o meu violão / debaixo do braço / em qualquer botequim eu paro.’’

Hoje não me alimentei direito e tomei “uns tragos” a mais e passei mal. Por sorte, encontrei o senhor que soube me ouvir e compreender que “o homem também chora / também deseja colo / palavras amenas,/ precisa de carinho,/ precisa de ternura,/ precisa de um abraço / da própria candura.’’

Por tudo, muito obrigado. “Ah, se todos fossem iguais a você. Que maravilha...”


Roberto Passos do Amaral Pereira.
Médico (Pediatra) Vitória - ES

Nenhum comentário: