segunda-feira, 25 de junho de 2012

O chá oriental e o chimarrão



Numa aula, sobre a origem das diferentes fontes de Direito e as diferenças entre elas, meu saudoso mestre, indicou-nos um vídeo sobre o filme – Balada de Narayama. Nesse filme a idéia era observar como se estabelece e funciona o direito consuetudinário. O filme é rodado numa aldeia japonesa, localizada nas montanhas, bem isolada e de difícil acesso, de costumes peculiares e radicalmente conservadores.
Entre as profundas diferenças existentes da chamada civilização ocidental e mesmo da oriental, um fato se destacou para mim - o costume de uso do chá quente servido em uma cumbuca, onde todos bebem sentados no chão com as pernas entrecruzadas como na posição inicial da prática de ioga.
Quando ocorre uma transgressão na convivência entre os habitantes daquela aldeia, o caso é indicado para julgamento. Essa tarefa cabe ao conselho dos anciãos, aquelas pessoas mais idosas, por conseguinte, as mais vividas e experientes, escolhidas entre os membros da comunidade. Conhecedoras dos fatos e dos costumes arraigados, elas se colocam em um local silencioso, fechado, todos sentados em círculo, e o presidente do conselho inicia uma rodada da bebida do chá quente, antes do inicio dos trabalhos de julgamento. Essa prática inicial e prévia ao ato de julgar, não é meramente um costume, esse chá é mais do que emblemático e simbólico, ele tem propriedades na infusão de ervas que o compõem, cuja finalidade é induzir à concentração. Nesse ato imagino que o sujeito julgador entra numa atmosfera de conversa com os seus próprios sentimentos, com o seu âmago, com a sua consciência, para de lá, com toda a isenção e neutralidade que exige e impõe o ato de julgar, deduzir, sim deduzir porque esse é o método usado, do genérico para o especifico, e ao final concluir pelo seu voto na decisão que vai "prolatar" a sentença definitiva aplicável ao transgressor.
Portanto, aquele chá, servido quente, em cumbuca, bebido por todos, da mesma fonte, da mesma forma, em círculo fechado, propõe, certamente, o consenso ou a unanimidade, na comunhão de pensamentos para a salvação regular do costume instituído e defendido e a permanência da estabilidade e da paz social, funções precípuas da ordem e do progresso, inclusive, por coincidência, um lema positivista, engastado em nossa bandeira brasileira.
Como gaúcho, tracei imediatamente um paralelo entre aquele chá oriental e o nosso chimarrão de origem indígena, costume nativo, portanto, não veio de estranhas terras, não fora importado, está na alma, mais que uma referência na gastronomia, na essência cultural, tem seus significados, também mais do que emblemático e simbólico, tem propriedades medicinais. Estudos científicos em laboratórios de química revelaram suas elevadas propriedades curativas no combate ao colesterol, além da gama de minerais e vitaminas, como as do complexo B, essenciais na transformação enzimática dos alimentos e na assimilação do metabolismo.
No significado agregamos ao chimarrão, muitas nuanças psicológicas, outro dia ainda teci este comentário: de que para se conhecer e entrar em relação com a liberdade, fraternidade e igualdade, postulados republicanos que determinaram a transformação do mundo dominante da Europa no século XVIII, não é preciso se viajar a Paris, nem ter estado na Revolução Francesa de 1779. Aqui mesmo, no Rio Grande do Sul, ao derredor de um fogo de chão, sustentado por um "pai de fogo" de madeira bem seca e curada, permanente gerador do braseiro, do calor que aquece a água da "cambona" para que, de dia ou de noite, cedo ou madrugada, sirva de albergue ao desamparado, de paragem ao viajante, ao notívago, aos insones, no passado aos tropeiros, chasques, forasteiros, visitantes, todos enfim, conhecidos e estranhos, irmanam-se ao derredor do fogo, "nas longas noites pampianas de frio e de cerração".
Todos os poetas nativistas celebraram o chimarrão! Essas inspirações poéticas demonstram a importância cultural dessa beberagem que nos identifica, simbolizando hospitalidade.
Democrático, no galpão, de manhã bem cedo, patrão, capataz e peonada, todos estabelecidos nos seus bancos, chimarreiam, naquele momento, sem hierarquia, enquanto se destinam as lidas campeiras, das tropilhas, gados, rebanhos, das condições dos rincões, potreiros, invernadas; tudo das estâncias, das fazendas, das tropas de gado gordo a vender, de gado magro a adquirir, das reposições. Assim se fez a primeira economia do Rio Grande do Sul, no inicio, quando tudo era pecuária para a sustentação da Província.
Dessa roda, desse círculo de concentração matutina, donde emanaram e emanam as decisões, aos goles sorvidos do chimarrão, o corpo se aquecendo e a mente se inspirando para o progresso e a defesa deste pago.
E quando a exigência do momento tornou-se imperativa, como nas guerras, esta bebida foi fonte catalisadora das decisões mais cruciais e definidoras da história que herdamos e hoje compartilhamos. Viva o chimarrão!

Autoria: Ed Corsan (19/06/2012)
Imagem: Google

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Tecnologias furtivas


Ando intrigada com esse tempo que se perde com o tempo que se ganha. Essa tecnologia maluca que nos dá e nos tira, nos concentra, nos distrai e retrai. Nem todo mundo está preparado para isso, mas se tem uma cidade que consegue dar quase na mesma medida que nos rouba tempo, é São Paulo!

Toda vez que passo um final de semana lá, é como se eu passasse uma semana. Obviamente que falo de finais de semana, onde o trânsito não é tão caótico. Mas o que me encanta é a contrapartida da cidade, que em poucas horas te inunda de informações, atualiza teus aplicativos internos e baixa downloads de sensações infinitas! Ora, mas isso tudo é uma situação muito particular e suspeita, pois eu adoro São Paulo! Gosto do dinamismo, das novidades, da cultura e nem todo mundo enxerga a cidade assim como eu.

Essa é a São Paulo que eu enxergo! E isso é muito relativo!

E costumo dizer: - a vida olha para você como você olha para a vida.

Mas e quando não olhamos para nada, e olhamos mais os nossos smartphones do que qualquer outra coisa?

Enquanto eu fazia "hora-bunda" aguardando os vôos no aeroporto, fixei os olhos no meu celular e fiz de tudo: compartilhei fotos, li textos de aula... olhos fixados na tela ... Enquanto isso a vida passando lá fora...ou melhor, ali mesmo não embaixo dos meus olhos, pois o celular estava ali haha!!! Mas a vida passava acima dos meus óculos!

Parei e olhei para ver o que acontecia no mundo real e percebi que ninguém me olhou...ops! Mas eu também não estava nem ai para ninguém!

Todos individualizados, inclusive eu, olhávamos nossas virtualidades...

Suspeitei que vida poderia estar olhando para mim, e eu nem aí para ela!

E se eu não olho a vida, a telinha do aparelho de celular estaria me devolvendo algum olhar?

Certamente que um olhar não, mas alguma visão, ou informação, ou especulação da vida alheia, ou da minha própria vida, alguma formação, entretenimento, etc ... mas e cadê o olhar que deveria ser devolvido a mim. Afinal, já que perco tantos olhares enquanto olho para o celular, seria mais do que justo!

A tecnologia parece uma bolsa aberta prestes a ser furtada!! Pega! Pega o ladrão tecnológico!!! Hahaha!!!

Visitei uma exposição de tecnologia e artes interativas em São Paulo chamada "Emoções Art.ficias", fiquei intrigada com uma arte sistêmica denominada i-flux. Era uma imagem projetada numa parede com um formato de uma arraia, e que transitava de um lado ao outro, acompanhada de sons estranhos. O guia da exposição nos explicou que a imagem e os sons eram alimentados com fluxos de informação de diferentes naturezas: redes internas do prédio, rede elétrica, rede hidráulica, além da entrada e saída de pessoas naquele espaço. Enfim, todos os dados formariam uma "criatura" projetada como uma constante chuva de luzes, portanto, uma espécie de regulador do ecossistema. Ao final da explicação ele afirmou que quanto menos fluxo de energia do local e a presença de pessoas, menos a criatura se movimentava. Além disso, quando o prédio se esvaziava os sons da tal criatura se intensificavam, como se clamassem por energia (!) Puts...pensei: - gente esse bichinho é muito carente!!! Hihihi!!

O conceito daquela obra, me fez pensar nas lógicas invertidas. Tantas pessoas se ausentando da realidade, enquanto a criatura tecnológica clama por energias reais e presenças humanas! E que paradoxal acharmos que ganhamos tempo com a virtualidade, enquanto perdemos tanto também! Abrimos janelas e links e fechamos tantas janelas de almas e compartilhamentos reais! Será que a "criatura" está se humanizando, enquanto optamos por não presenciar a vida? Estamos sendo furtados á luz do dia, e o pior, com o nosso consentimento!

Autoria: Claudia Coelho - 07/06/2012
Imagem: Google